quarta-feira, 25 de junho de 2008

"Quem é o autor?"




“Autores” - Ricardo Carvalho e Marcos Vicente

Este vídeo faz parte de avaliação da disciplina Teorias da Imagem e tem como assuntos principais, a imagem numérica, as artes do corpo bicentenário desembocando no assunto polêmico existente entre os estudiosos da era pós-moderna acerca da crise da autoria. Este “Quem é o autor” reflete sobre o timeline das imagens, sua evolução, a sua criação e apropriação com o chamado copyright e conseqüentemente sua desapropriação com a evolução das tecnologias, o copyleft, a reprodutibilidade técnica e serializada.

A atividade pode ser considerada como interdisciplinar, já que utilizamos do aprendizado da disciplina “Computação Gráfica”, notadamente, o programa Adobe After Effects. Sem possuirmos totalmente a technée, a destreza com as ferramentas do programa computacional, recorremos ao auxílio importante do professor Antônio Figueiredo e dos colegas Gérsia Saiana e Jeremias Barreto. Registramos aqui nossos agradecimentos.

A técnica do programa consiste em fornecer ferramentas 2D e 3D para composição, animação e efeitos visuais. O After Effects é amplamente utilizado em pós-produção digital de filmes, animações, multimídia baseada em vídeo e na Web. É possível compor camadas de várias maneiras, aplicar e combinar sofisticados efeitos visuais e de áudio e animar objetos e efeitos (Adobe 2004).
De início temos uma verdadeira “apropriação” das imagens numéricas ou computacionais, estudadas por Edmond Couchot, extraídas aleatoriamente da Rede Mundial de Computadores (Web) do site da Google Imagens de uma imagem do muro das lamentações e de uma imagem de chão. A partir daí realizamos uma composição para dar uma idéia de uma galeria de exposição no espaço. Atribuímos efeitos visuais de câmera, luz e zoom nas imagens “oriundas” da internet misturando as temáticas propostas, numa constante, referindo-se ao timeline das imagens, linkando com a velocidade que caracteriza a pós-modernidade (dromocracia), que nos leva a descobertas impressionantes do que o ser humano pode fazer, valendo-se das novas técnicas.

As imagens numéricas que dão início ao filmete, O Grito (1893), de Edvard Munche e a Monalisa (1503), de da Vinci se fundem com outras imagens semelhantes, porém em releituras, reformuladas, satirizadas, “estupradas” em sua originalidade, tendo acima o título do filme digital, “Quem é o autor?” e as frases que passam abaixo das imagens “a imagem é coisa mental” de da Vinci. Em seguida o vídeo mostra imagens do homem protético, o corredor sul-africano, Oscar Pistorius. Como defende Lúcia Santaella (2003), “Trata-se aqui o corpo cibog, híbrido entre a carne e a prótese”. Logo adiante, aparece uma imagem do artista australiano Stelarc, dentro dessa ótica protética humana.
Mais uma imagem apropriada segue no vídeo. Desta vez já abordando a obra de arte e sua reprodutibilidade técnica com as imagens numéricas de quadros de Salvador Dali intitulado Persistenza della memória, de uma gravura do Leonardo da Vinci, “Homem Vitruviano”, numa seqüência que representa a reprodução de uma obra de arte. Em seguida temos uma imagem relacionada à modernidade líquida ou vida líquida, uma idéia de liquidez ou fluidez dos tempos pós-modernos defendido por Bauman (2001). É o “desmanchar-se no ar” de Marx.

Por fim temos uma frase de efeito “Afinal, o que é o homem?” e “Para onde caminhamos?”, sob o famoso quadro de Michelangelo, A Criação.
A música que acompanha o vídeo chama-se “Conquest of Paradise”, do pianista grego e compositor de várias trilhas sonoras para filmes, entre eles, “1492 - A Conquista do Paraíso”, de Ridley Scott. Para inseri-la no vídeo lançamos mão do programa Windows Movie Maker para recortar 35 segundos da música que depois foi transferido para o vídeo no Adobe After Effects, antes da sua renderização.

As experiências da disciplina que ficam gravadas, como marcas indeléveis para nós, sejam como aprendizado e até como mudanças de paradigmas em relação às imagens, às obras de arte, ao que se é propriamente visto, sob qual forma estamos a ver e quais impressões que ficam para nós ao contemplarmos as imagens. Não só em referência ao que se vê, mas, sobretudo, sobre esse novo posicionamento perante a vida que descobrimos e que nos deixará sempre inquietos, inventores e descobridores dessa nova relação que temos agora com as artes, principalmente após estudarmos tão importantes teóricos do assunto, desde Platão, Aby Warburg, Walter Benjamin, Octávio Paz, Régis Debray, Merleau-Ponty, entre outros, até os recentes próximos, Lúcia Santaella, Edmond Couchot, etc.

Em relação à experiência de sermos “autores” dessa obra exposta, queremos dizer que o debate sobre a crise autoral permanecerá por longo tempo, como assinala Lawrence Lessig em seu livro “Cultura Livre” (2004), uma batalha contra a monopolização dos meios culturais, de um lado o copyright e de outro os defensores do copyleft.

A imagem numérica nos leva a uma relação de interatividade artística, “produtora” e visual com a máquina. Mas, segundo Couchot (2003), “a interatividade numérica só acontece quando a linguagem de programação se interpõe entre a máquina e seu usuário”. Essa interação se dá através da simulação, pois o computador traduz este dialogo em linguagem comum. Para que uma imagem possa ser trabalhada usando um computador, é necessário adequá-la ao modelo de numeração binária. Com isso é possível modelar a imagem, para que o sistema de computação possa trabalhar com ela (Marçula e Benini – 2005). Neste sentido, entendemos também a importância da linguagem de programação para a evolução no conceito, no modo de produção, na fruição dessas imagens oriundas desse ambiente, um “não-lugar” como muitos chamam, onde podemos ser o “autor” e ao mesmo tempo sermos a Ciência que segundo Merleau-Ponty, “manipula as coisas” ao seu bel prazer, “mas recusa a habitá-las”.



Agradecimentos:

Ao professor Antônio Figueiredo por suas orientações e ensinamentos acerca do programa Adobe After Effects.
Aos colegas Gérsia Saiana, que nos ajudou na finalização deste vídeo (After Effects) e Jeremias Barreto pelo acompanhamento na sonoplastia através do programa Movie Maker
Sintam-se todos “co-autores” deste singelo projeto.


Referências Bibliográficas:

MARÇULA, Marcelo e BENINI, Pio Armando Filho – Informática: Conceitos e Aplicações – São Paulo: Érica, 2005 1ª ed.

LESSIG, Lawrence – Cultura Livre – 2004.

SANTAELLA, Lúcia - As arte do corpo biocibernético – 2003.

COUCHOT, Edmond – A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual – 2003.

BAUMAN, Zygmunt – Modernidade Líquida – 2001 – Ed. Jorge Zahar – 1ª ed.

VANGELIS, Reprise – “The Conquest of Paradise”, 1990/1999.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A dúvida de Cézanne


“A pintura foi seu mundo e sua maneira de existir” (Merleau-Ponty)
Merleau-Ponty nos traz para discussão, ao apontar as incertezas de Cézanne -, se a sua personalidade inconformada, excêntrica, rebelde, uma espécie de esquizoidia e a sua relação com o vivido, a sua experiência de estar no mundo, o ser no mundo, contribuiu para que sua obra figure na categoria do extraordinário, do fantástico.
O artista perguntava se a sua vocação não estava ligada diretamente a uma distrofia visual que possuía, se este distúrbio em sua visão não era a causa da maneira toda especial de ver o mundo, que depois era transposta para suas telas. Uma relação visual que Cézanne mantinha com o mundo, como ele via as coisas, o que nos remete ao sentido do corpo e sua relação com o visível e consequentemente com a pintura, pois esta seria a extensão do corpo do pintor, tão bem defendido por Ponty em “o olho e o espírito”. Sabia da importância e da necessidade “do estudo geométrico, dos planos e das formas”, para a produção de uma obra, mas esta aplicação deveria estar em conformidade com o mundo visível. “Ao dar um toque, a anatomia e o desenho estão presentes”, a perspectiva, a geometria, a decomposição das cores, devem obedecer um único motivo: “a paisagem em sua totalidade e em sua plenitude absoluta”. Cézanne “germinava” com a paisagem.
Essa visão especial juntamente com sua techneé presenteou o mundo com maravilhosas obras de arte cezannianas.
Pelo que nos relata Ponty, o artista Cézanne, tornou-se um recolhido em seu próprio mundo, até mesmo os amigos mais íntimos como Zola, Émile Bernard, se detinham mais em atentar mais para seu caráter, sua personalidade, seu comportamento, os aspectos psicológicos de sua personalidade do que o sentido de sua obra, por isso, Zola, o tachou de ”gênio abortado”, pois não entendia a relação que o artista mantinha com o seu mundo, uma relação diferenciada, uma íntima conexão com a natureza, com as mais diversas manifestações do visível e até mesmo do invisível, só dada aos gênios, não é para todos. Os seus amigos não conseguiam enxergar essa genialidade, antes, “censuravam-lhe a instabilidade, a fraqueza e a indecisão”.
Dessa mesma situação de experiência com o mundo, essa visão para além das coisas aparentes, fez do pesquisador, Aby Warburg, considerado louco e internado como louco em clínica psiquiátrica, a desenvolver uma teoria da história calcada em uma temporalidade não-linear, em que as imagens, portadoras de uma memória coletiva, romperiam com o continuum da história, traçando pontes entre o passado e o presente.
Com os seus estudos sobre os processos de simbolização envolvidos nas práticas rituais dos índios, - experiência vivida pelo próprio Aby Warburg,no Novo México-, tratando-os como mecanismos universais voltados para o controle dos medos primitivos do homem diante das forças incontroláveis da natureza, um processo que, como ele conclui, estaria na base da formação das imagens significativas de todas as culturas, Aby conseguiu convencer seu psiquiatra que estava novamente em condições de retomar sua vida fora da clínica. A experiência da própria loucura também contribuiu para que Warburg compreendesse a força psíquica das imagens e sua relação com os medos mais primitivos da humanidade
Diferentemente de Warburg, Cézanne, foi tachado de esquizóide, uma espécie de personalidade neurótica recolhida em seu mundo. Podemos percebê-la logo quando sabemos da sua dúvida em relação à sua vocação. Poderá até ser exagero, mas não sei se podemos dizer que Cézanne era um assustado com o extraordinário de sua vida, de sua obra, não estabelecia relação da sua experiência com o vivido com o seu corpo, a sua arte, o que era expressado em seu comportamento arredio, um excêntrico colérico e depressivo, que chegou a se isolar do contato com as pessoas. “A idéia de uma pintura “direto da natureza” teria vindo a Cézanne da mesma fraqueza. A atenção extrema à natureza, à cor, o caráter inumano de sua pintura (dizia que se deve pintar um rosto como um objeto), a devoção pelo mundo visível seriam apenas uma fuga do mundo humano, a alienação de sua humanidade”.
Os amigos, Zola e Bernard, que só conseguiam enxergar as aparências, numa visão limitada, própria dos demais mortais, apostavam, “acreditavam em seu fracasso”. Mesmo assim, passando por distúrbios nervosos, Cézanne seguia produzindo “uma forma de arte válida para todos”, pois o “sentido de sua obra não pode ser determinado por sua vida”, como afirma Merleau-Ponty. Enfim, fica a máxima do autor/escritor sobre o artista: “esta obra a fazer exigia esta vida”.

Ricardo Carvalho, em 22/05/08


Aby Warburg e sua contribuição para a ciência das imagens


A busca pela compreensão do mundo de maneira interdisciplinar, intertextual, ou seja, levando em consideração todos os aspectos a ele inerentes, como um Ser total, ilimitado, é uma preocupação que tem levado muitos estudiosos, pesquisadores, a revolver as entranhas deste mesmo mundo, num vai-e-vem de experimentações, leituras, enfim, um verdadeiro trilhar onde vários caminhos são percorridos para se ter uma ou mais explicações sobre determinado objeto e suas ramificações com esse Todo, que o constrói e destrói, refazendo e reconstruindo, numa dialética própria desta visão de que tudo é um continuar de alguma coisa que já foi realizada, foi experimentada, outrora.
Dentro desta análise, incluímos aqui a contribuição que a obra de Abi Warburg trouxe para a ciência da imagem.
Lembrado como idealizador e fundador da importante Biblioteca Warburg, Aby foi um grande pesquisador, estudioso das artes. Com um olhar científico sobre a imagem, encontrou elementos que passou a indicar uma constância de padrões que se repetem e são recorrentes ao longo da história das imagens. Descobriu em seus estudos e investigações, a sobrevivência na arte de vestígios de formas de um tempo passado em outro, principalmente observando a obra de Sandro Botticelli, onde encontrou formas clássicas nesta obra do Renascimento italiano. O movimento de vestes e cabelos de algumas figuras femininas foi comparado com obras antigas, como as figuras das ninfas presentes em sarcófagos greco-romanos. Nesta investigação, Warburg ficou intrigado com a importância dada aos movimentos e seu caráter frequentemente antinaturalista. Uma contradição do que era difundido na cultura renascentista, de cunho naturalista. Daí sua descoberta ser catalogada como o estudo da continuidade, rupturas e sobrevivências da tradição clássica baseado num método criado por Aby, que é a utilização dos testemunhos figurativos como fontes históricas.
Dessas observações, Aby Warburg desenvolveu a “fórmula de pathos”, o que para ele seria a explicação para essa motivação psicológica que levava a reutilização de determinadas formas antigas em obras pesquisadas. Um reaproveitamento de conteúdos expressivos da antiguidade nas obras do Renascimento, que depois Warburg viria a provar que essas expressões de uma época para outra nas artes seriam mecanismos de transmissão da memória coletiva por meio das imagens.
Segundo pesquisadores, Aby, passando por inúmeras experiências no campo pessoal, inclusive de internação em clínicas psiquiátricas, o que de certa forma serviu para que ele, através das experiências com a própria loucura, configurasse uma teoria da força psíquica das imagens e sua relação com os medos mais primitivos da humanidade. Sendo assim, desenvolveu um projeto denominado Atlas de Imagens mnemosine, uma síntese de seu pensamento sobre a função psicossocial das imagens. De acordo com a concepção de Warburg, as imagens seriam formadas por motivações psíquicas relacionadas a uma determinada época e carregadas para dentro de outras culturas, na qual seriam remobilizadas em seus conteúdos psíquicos e reorganizados em função do novo contexto.

Remetendo a Merleau-Ponty, Warburg rompe com a temporalidade não-linear, uma nova maneira de olhar o mundo sem a continuidade retilínea da história. Há um traço de passado e presente nas imagens. Elas trazem esta memória coletiva aos espectadores. Para sua época, onde a concepção da imagem predominante era positivista, cartesiana, Warburg deve mesmo ter sido considerado literalmente um louco, pois estava indo de encontro aos preceitos pré-estabelecidos, da ciência “que manipula as coisas, mas se recusa a habitá-las”. As datas, os fatos, a cronologia, as análises de estilos eram mais importantes do que o novo modelo proposto por Warburg que demandaria muito pensar, muito estudar, apreensão e compreensão do que estava posto em debate. Um modelo que permitia pensar forma e conteúdo como inseparáveis. Para explicar essa sobrevivência da imagem passada em outras culturas, Warburg desenvolveu o conceito de Nachleben, ou pós-vida, das imagens. Através deste conceito, ele explicava que para estudar determinada forma, era necessário mobilizar o conhecimento de toda a cultura do período no qual aquela constelação específica emergira.
Aby Warburg deixou seu legado para os estudiosos, uma contribuição para as ciências humanas, a Biblioteca Warburg, sediada em Londres.
Os seus predecessores buscam a atualização cultural de seus métodos segundo Carlos Ginzburg em seu livro “Mitos, Emblemas, Sinais”. Seus estudos estão direcionados para “redescobrir a verdadeira fisionomia desse estudioso, que procuro, ainda em vida, anular-se atrás da imagem da sua única obra realmente inacabada”: o Institute Warburg.
Entre seus seguidores. G. Bing destacou os problemas mais urgentes para Aby que eram, “a função da criação figurativa na vida da civilização e a relação vairável que existe entre expressão figurativa e linguagem falada”.
Edgar Wind, “contrapõe a atividade de Warburg e o conceito de “cultura” nela subtendido a duas posições culturais bem definidas: de um lado, as tendências, que propõem anular qualquer ligação entre história da arte e história da cultura, e de outro lado, a história do espírito”.
O estudioso F. Saxl preferia estudar os resultados concretos obtidos por Warburg. Ele acreditava que as pesquisas e os trabalhos de Aby teriam além da formulação ou método, uma coerência temática profunda. Saxl afirma que os principais inspiradores de Warburg foram Nietzche, Usener e Burckhardt.
Em parceria com Panofski, Saxl aprofundou a intuição de Warburg, de que a adoção da fórmula do patético (Pathosformeln) “da Antiguidade, por parte dos artistas do Renascimento implicava uma ruptura não só com a arte, mas com toda a mentalidade medieval”. Para eles, essa descoberta representa “a consciência exata da “distância” cultural entre presente e passado”.
Saxl no afã de descobrir dados iconográficos, estudou documentos da Idade Média, a exemplo dos panfletos de Lutero, durante e depois da Reforma Protestante, na obra de Holbein, suas xilogravuras anteriores a 1526; a xilogravura de Lutero representado sob a forma de Hercules Germanicus. Saxl, também estudou as obras de Dürer, da mesma época, a exemplo da Madona com o menino, de 1518, que depois sofreu alterações devido à conversão de Dürer às idéias de Lutero.
Saxl finaliza suas análises ratificando a importância de considerar “ a obra de arte singular como uma reação complexa e ativa aos acontecimentos da história circundante”.
O autor conclui que este método aplicado por Saxl, em muitos casos é insuficiente, pois apenas a análise iconográfica não serve para considerar as obras de arte e os testemunhos figurativos em geral com fonte histórica “sui generis”. É necessário estabelecer uma relação entre “dados iconográficos e dados estilísticos, e a relevância destes últimos para os fins de uma reconstrução histórica geral”.
Panofski aprofundou a idéia de Warburg de analisar a estreita ligação entre forma e conteúdo. Porém, mais tarde se dedicou predominantemente a pesquisas iconográficas, deixando de lado os pressupostos de Warburg. Panofski se desfez do método iconológico em suas pesquisas, considerando “as idéias projetadas conscientemente pelo artista na sua obra como chave suficiente para interpretar a própria obra”.
Outro estudioso do Instituto Warburg é Gromich, que chegou a conclusão que a obra de Warburg “não tinha nenhum cartáter sistemático”. Ele criticou a analogia entre a “descoberta de perspectiva linear e o nascimento da dimensão histórica através da nova relação com a Antiguidade instaurada pelo Renascimento”. Gromich tenta desconsiderar as idéias de Warburg em relação à pesquisa dos nexos entre as obras de arte e a situação histórica em que eleas nascem.
Aceitando ou negando, acrescentando ou alterando, os seguidores de Aby Warburg tinham em mente a grandiosidade das descobertas e experiências desse pesquisador e estudioso das artes, da história da imagem, do método científico que estabeleceu a continuidade, ruptura e sobrevivência da tradição clássica nas obras de arte, nas imagens, das diferentes sociedades e períodos da história. Esse legado de Aby Warburg e sua extraordinária contribuição para a história da humanidade com o Institute Warburg têm ao longo do tempo uma grande significação para a ciências das imagens e sua relação com as sociedades.

"A parte é diferente do todo, mas também é o mesmo que o todo. A essência é o todo e a parte". Heráclito

Uma resenha do texto “o olho e o espírito” de Merleau-Ponty

Seria imensa pretensão dissecar tão profundo, denso e revelador ensaio de Merleau-Ponty. É revelador também que essa limitada compreensão será continuamente dirimida se se fizer contínuas leituras e debates acerca de tão inquietante tema, o que não é o caso desta minha primeira abordagem de “o olho e o espírito”. Uma abordagem rasa, superficial, diria até mesmo dispensável, para quem, em primeira mão, se defronta com tão surpreendentes indagações do autor. Trata-se de reafirmar uma nova maneira de olhar o mundo. Fica aqui o compromisso de olhá-la com outro “olho” e outro “espírito” na próxima vez. Um percorrer sobre essas linhas com um pouco de maturidade, de intimidade no compreender dessa fenomenologia fará com que certamente teremos uma nova abordagem, mais precisa e de melhor apreensão daquilo que Ponty quer, quis dizer neste texto.
Em primeiro plano, digo que Merleau-Ponty faz uma crítica à ciência clássica e sua arbitrariedade, que segundo ele “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, ou seja, apresenta a ciência de forma metafórica como o Espírito, o próprio Deus em sua onipotência, que tudo faz, mas de forma alheia à criação, à parte, sem levar em consideração o ser manipulado como um todo. Ao contrário, essa ciência trata o ser de forma objetiva, “como objeto em geral”, distanciada, fragmentada, “isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios”.
Nesse sentido, Ponty chama a atenção da ciência clássica para levar em consideração o ser não como objeto, mas ontologicamente, ou seja, ocupar-se do ser enquanto ser, isto é independente de suas determinações particulares, numa tradução rasteira do que seria a onotologia. Não se deve reduzir algo a uma fórmula matemática, uma receita de bolo, um algoritmo. Dessa forma arbitária, a ciência reduz as possibilidades de resultados com o objeto, fica alheia ao que acontece universalmente. Há um distanciamento entre criador e a “coisa” criada.
Nessa visão ontológica de Merleau-Ponty, o corpo exerce fundamental importância, como bem ele se refere a uma citação de Valéry, que o “pintor, emprega seu corpo”. Ponty rebate, “e de fato, não se percebe como um Espírito poderia pintar. É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura”. Num movimento natural, o pintor capta as sensações no mundo no seu corpo que é transportado para a tela aquilo que foi percebido, sentido, tocado com o seu corpo.
Merleau-Ponty faz recair toda sua análise e afirmação sobre o artista, principalmente sobre o pintor, quando diz “o pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas sem nenhum dever de apreciação”. Para essa categoria de artista, todo o arcabouço de palavras de ordem, toda explicação do conhecimento, trazido pela Ciência, perdem sua explicação, “sua virtude”, pois o pintor reina “soberano” ruminando o mundo com seus olhos e suas mãos, únicas técnicas utilizadas nessa ruminação. É o corpo do pintor, um entrelaçado de visão e movimento, que transforma o mundo em pintura. Esse entrelaçamento do corpo e espírito que vê o mundo corresponde dizer que todas as coisas estão ligadas ao mesmo Ser, não há partes soltas. O corpo olha todas as coisas do mundo e também “pode olhar a si e reconhecer no que está vendo então o “outro lado” do seu poder vidente”.
Nessa afirmação Merelau-Ponty deixa-nos a pensar e pensar muito e até mesmo elucubrar sobre o mistério do olhar. Qual a nossa reação de espanto e até mesmo de dúvida se somos nós mesmos quando visualizamos-nos diante de um espelho? Qual é a leitura que fazemos das inúmeras interpretações da visão de um mesmo objeto sendo visto ao mesmo tempo por mais de um espectador. Quantas diferenças em relação a cor, a textura, a simbologia, o cheiro, o sentido daquela visão?
Ponty fala de um terceiro olho, um olhar interior que “vê os quadros e mesmo as imagens mentais”, “um terceiro ouvido que capta as mensagens de fora através do rumor que elas suscitam em nós”. Nossos olhos “são muito mais que receptores para as luzes, para as cores e para as linhas”. São “computadores” do mundo vendo o mundo. O pintor “pega” os “instantes” desse mundo, olhando-o, vendo-o, e o restitui ao “visível pelos traços da mão”.
Criticando o modelo cartesiano, Ponty vem dizer que não há modelos de origem para a cópia de outros modelos para explicação de mundo; não há uma linearidade, principalmente quando olhamos, quando vemos o mundo. Não há dissociação entre corpo e alma. Há uma relação de troca nesta ação entre o que olha e o que é olhado, entre o vidente e o visível, um entrelaçamento. Vou mais além à divagação: há também uma intertextualidade, se assim podemos pensar, entre o ser e o objeto como parte do todo. Assim, nesse relacionamento do artista com o objeto, com o mundo, não se sabe quem olha, quem vê, o que é olhando, quem é olhando, quem sente e o que é sentido. Olhamos e falamos com as coisas todo o tempo e o tempo todo.
Bom, esta foi minha humilde compreensão bastante limitada deste grandioso desafio que é analisar este profundo ensaio, esta arrebatadora teoria merleau-pontyana, que revela sua visão holística do mundo, uma relação dialética entre a parte e o todo, o particular e o universal, entre a base material e a consciência, a imaginação e a razão, enfim entre o olho e o espírito.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

"A linguagem diz, e as vozes da pintura são vozes do silêncio". Ponty


A linguagem indireta e as vozes do silêncio

A linguagem indireta e as vozes do silêncio

Merleau-Ponty estabelece uma relação nas vozes silenciosas da linguagem com o silêncio do pintor ao conceber a sua obra. Antes de ser pronunciada a linguagem ela está inserida num mundo de silêncio. A linguagem vai além dos signos e por isso é expressão. A escolha de uma palavra pelo escritor já determina a intenção deste em suscitar uma reação individual no leitor ou mesmo usando termo similar, a transmissão da mensagem não demandaria o mesmo efeito. O sinal inerente à palavra está inteiro de significações exteriores.
A preocupação de Ponty é que mensagem da língua seja bem codificada pelo leitor. “Temos que considerar a palavra antes de ser pronunciada, o fundo de silêncio que não cessa de rodeá-la, sem o qual ela nada diria ou ainda por a nu os fios de silêncio que nela tremiam”. Para ele, é preciso que os escritores usem mais figuras de linguagem para que então o leitor pudesse decodificar o texto, sentindo-o, descobrindo o que está por trás das letras, ouvindo as vozes silenciosas da linguagem, “pois que toda linguagem é indireta ou alusiva e, se quisermos, silêncio”.
Na pintura, Merleu afirma que o “pintor nos atinge através do mundo tácito das cores e das linhas” e requer de nós espectadores sua decifração, através da fruição de sua obra. Já o escritor, já está instalado num mundo cheio de signos que já existem, “num mundo já falante”, querendo dos leitores a capacidade de “reordenar as significações” de acordo com o que ele nos propõe.
Na sua abordagem da linguagem, Merleau nos propõe considerar a palavra antes de sua pronunciação, desvendando os “fios de silêncio” entrelaçados nela.
Em relação a pintura, Merlau-Ponty, considera-a de uma presunção que pretende nos tocar senão como as coisas do mundo, pois ela impõe aos sentidos um “espetáculo irrecusável”. Para ele, há uma imbricação entre os sentidos e a pintura, o mundo e a arte.
O pintor, segundo Ponty, não deve ter seu trabalho subestimado pelo escritor, pois o pintor faz um esforço “tão semelhante ao do pensamento”, o que equivale dizer que existe uma “linguagem da pintura”. A pintura desvenda o próprio “instante de ocorrência do mundo”, quando entrelaça corpo e mundo no gesto do pintor. Ela possui uma voz silenciosa que nos fala, através de seu todo ou de suas particularidades, cor, relevo, profundidade, perspectiva, etc. O sentido do quadro ou do conceber uma obra para o pintor está acima de qualquer regra, como Renoir pintando as Lavadeiras defronte ao mar, conforme nos relata Merleau, que ele “fitava não sei o que e modificava somente um cantinho”.
Merleau-Ponty tenta resumir suas indagações em três termos, percepção, história e expressão. Para ele, é legítimo falar na pintura como linguagem, pois “evidencia-se assim um sentido perceptivo, que capta a configuração vísivel e, entretanto capaz de recolher em eternidade sempre futurível uma série de expressões anteriores”.
A pintura nos dá uma produção para apreciação, não a partir do nada, e produz efeito em nosso ser, pois nos integra neste universo que ela representa e que nos fala não dizendo, mas através das impressões do pintor, da extensão do seu corpo que ali tocou, de seus traços, que nos olha, que nos fala, com suas cores e toda a atmosfera viva que a cerca.

Ricardo Carvalho, em 19/05/08