
"A parte é diferente do todo, mas também é o mesmo que o todo. A essência é o todo e a parte". Heráclito
Uma resenha do texto “o olho e o espírito” de Merleau-Ponty
Seria imensa pretensão dissecar tão profundo, denso e revelador ensaio de Merleau-Ponty. É revelador também que essa limitada compreensão será continuamente dirimida se se fizer contínuas leituras e debates acerca de tão inquietante tema, o que não é o caso desta minha primeira abordagem de “o olho e o espírito”. Uma abordagem rasa, superficial, diria até mesmo dispensável, para quem, em primeira mão, se defronta com tão surpreendentes indagações do autor. Trata-se de reafirmar uma nova maneira de olhar o mundo. Fica aqui o compromisso de olhá-la com outro “olho” e outro “espírito” na próxima vez. Um percorrer sobre essas linhas com um pouco de maturidade, de intimidade no compreender dessa fenomenologia fará com que certamente teremos uma nova abordagem, mais precisa e de melhor apreensão daquilo que Ponty quer, quis dizer neste texto.
Em primeiro plano, digo que Merleau-Ponty faz uma crítica à ciência clássica e sua arbitrariedade, que segundo ele “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, ou seja, apresenta a ciência de forma metafórica como o Espírito, o próprio Deus em sua onipotência, que tudo faz, mas de forma alheia à criação, à parte, sem levar em consideração o ser manipulado como um todo. Ao contrário, essa ciência trata o ser de forma objetiva, “como objeto em geral”, distanciada, fragmentada, “isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios”.
Nesse sentido, Ponty chama a atenção da ciência clássica para levar em consideração o ser não como objeto, mas ontologicamente, ou seja, ocupar-se do ser enquanto ser, isto é independente de suas determinações particulares, numa tradução rasteira do que seria a onotologia. Não se deve reduzir algo a uma fórmula matemática, uma receita de bolo, um algoritmo. Dessa forma arbitária, a ciência reduz as possibilidades de resultados com o objeto, fica alheia ao que acontece universalmente. Há um distanciamento entre criador e a “coisa” criada.
Nessa visão ontológica de Merleau-Ponty, o corpo exerce fundamental importância, como bem ele se refere a uma citação de Valéry, que o “pintor, emprega seu corpo”. Ponty rebate, “e de fato, não se percebe como um Espírito poderia pintar. É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura”. Num movimento natural, o pintor capta as sensações no mundo no seu corpo que é transportado para a tela aquilo que foi percebido, sentido, tocado com o seu corpo.
Merleau-Ponty faz recair toda sua análise e afirmação sobre o artista, principalmente sobre o pintor, quando diz “o pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas sem nenhum dever de apreciação”. Para essa categoria de artista, todo o arcabouço de palavras de ordem, toda explicação do conhecimento, trazido pela Ciência, perdem sua explicação, “sua virtude”, pois o pintor reina “soberano” ruminando o mundo com seus olhos e suas mãos, únicas técnicas utilizadas nessa ruminação. É o corpo do pintor, um entrelaçado de visão e movimento, que transforma o mundo em pintura. Esse entrelaçamento do corpo e espírito que vê o mundo corresponde dizer que todas as coisas estão ligadas ao mesmo Ser, não há partes soltas. O corpo olha todas as coisas do mundo e também “pode olhar a si e reconhecer no que está vendo então o “outro lado” do seu poder vidente”.
Nessa afirmação Merelau-Ponty deixa-nos a pensar e pensar muito e até mesmo elucubrar sobre o mistério do olhar. Qual a nossa reação de espanto e até mesmo de dúvida se somos nós mesmos quando visualizamos-nos diante de um espelho? Qual é a leitura que fazemos das inúmeras interpretações da visão de um mesmo objeto sendo visto ao mesmo tempo por mais de um espectador. Quantas diferenças em relação a cor, a textura, a simbologia, o cheiro, o sentido daquela visão?
Ponty fala de um terceiro olho, um olhar interior que “vê os quadros e mesmo as imagens mentais”, “um terceiro ouvido que capta as mensagens de fora através do rumor que elas suscitam em nós”. Nossos olhos “são muito mais que receptores para as luzes, para as cores e para as linhas”. São “computadores” do mundo vendo o mundo. O pintor “pega” os “instantes” desse mundo, olhando-o, vendo-o, e o restitui ao “visível pelos traços da mão”.
Criticando o modelo cartesiano, Ponty vem dizer que não há modelos de origem para a cópia de outros modelos para explicação de mundo; não há uma linearidade, principalmente quando olhamos, quando vemos o mundo. Não há dissociação entre corpo e alma. Há uma relação de troca nesta ação entre o que olha e o que é olhado, entre o vidente e o visível, um entrelaçamento. Vou mais além à divagação: há também uma intertextualidade, se assim podemos pensar, entre o ser e o objeto como parte do todo. Assim, nesse relacionamento do artista com o objeto, com o mundo, não se sabe quem olha, quem vê, o que é olhando, quem é olhando, quem sente e o que é sentido. Olhamos e falamos com as coisas todo o tempo e o tempo todo.
Bom, esta foi minha humilde compreensão bastante limitada deste grandioso desafio que é analisar este profundo ensaio, esta arrebatadora teoria merleau-pontyana, que revela sua visão holística do mundo, uma relação dialética entre a parte e o todo, o particular e o universal, entre a base material e a consciência, a imaginação e a razão, enfim entre o olho e o espírito.
Uma resenha do texto “o olho e o espírito” de Merleau-Ponty
Seria imensa pretensão dissecar tão profundo, denso e revelador ensaio de Merleau-Ponty. É revelador também que essa limitada compreensão será continuamente dirimida se se fizer contínuas leituras e debates acerca de tão inquietante tema, o que não é o caso desta minha primeira abordagem de “o olho e o espírito”. Uma abordagem rasa, superficial, diria até mesmo dispensável, para quem, em primeira mão, se defronta com tão surpreendentes indagações do autor. Trata-se de reafirmar uma nova maneira de olhar o mundo. Fica aqui o compromisso de olhá-la com outro “olho” e outro “espírito” na próxima vez. Um percorrer sobre essas linhas com um pouco de maturidade, de intimidade no compreender dessa fenomenologia fará com que certamente teremos uma nova abordagem, mais precisa e de melhor apreensão daquilo que Ponty quer, quis dizer neste texto.
Em primeiro plano, digo que Merleau-Ponty faz uma crítica à ciência clássica e sua arbitrariedade, que segundo ele “manipula as coisas e renuncia a habitá-las”, ou seja, apresenta a ciência de forma metafórica como o Espírito, o próprio Deus em sua onipotência, que tudo faz, mas de forma alheia à criação, à parte, sem levar em consideração o ser manipulado como um todo. Ao contrário, essa ciência trata o ser de forma objetiva, “como objeto em geral”, distanciada, fragmentada, “isto é, a um tempo como se ele nada fosse para nós, e, no entanto, se achasse predestinado aos nossos artifícios”.
Nesse sentido, Ponty chama a atenção da ciência clássica para levar em consideração o ser não como objeto, mas ontologicamente, ou seja, ocupar-se do ser enquanto ser, isto é independente de suas determinações particulares, numa tradução rasteira do que seria a onotologia. Não se deve reduzir algo a uma fórmula matemática, uma receita de bolo, um algoritmo. Dessa forma arbitária, a ciência reduz as possibilidades de resultados com o objeto, fica alheia ao que acontece universalmente. Há um distanciamento entre criador e a “coisa” criada.
Nessa visão ontológica de Merleau-Ponty, o corpo exerce fundamental importância, como bem ele se refere a uma citação de Valéry, que o “pintor, emprega seu corpo”. Ponty rebate, “e de fato, não se percebe como um Espírito poderia pintar. É oferecendo seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura”. Num movimento natural, o pintor capta as sensações no mundo no seu corpo que é transportado para a tela aquilo que foi percebido, sentido, tocado com o seu corpo.
Merleau-Ponty faz recair toda sua análise e afirmação sobre o artista, principalmente sobre o pintor, quando diz “o pintor é o único que tem direito de olhar para todas as coisas sem nenhum dever de apreciação”. Para essa categoria de artista, todo o arcabouço de palavras de ordem, toda explicação do conhecimento, trazido pela Ciência, perdem sua explicação, “sua virtude”, pois o pintor reina “soberano” ruminando o mundo com seus olhos e suas mãos, únicas técnicas utilizadas nessa ruminação. É o corpo do pintor, um entrelaçado de visão e movimento, que transforma o mundo em pintura. Esse entrelaçamento do corpo e espírito que vê o mundo corresponde dizer que todas as coisas estão ligadas ao mesmo Ser, não há partes soltas. O corpo olha todas as coisas do mundo e também “pode olhar a si e reconhecer no que está vendo então o “outro lado” do seu poder vidente”.
Nessa afirmação Merelau-Ponty deixa-nos a pensar e pensar muito e até mesmo elucubrar sobre o mistério do olhar. Qual a nossa reação de espanto e até mesmo de dúvida se somos nós mesmos quando visualizamos-nos diante de um espelho? Qual é a leitura que fazemos das inúmeras interpretações da visão de um mesmo objeto sendo visto ao mesmo tempo por mais de um espectador. Quantas diferenças em relação a cor, a textura, a simbologia, o cheiro, o sentido daquela visão?
Ponty fala de um terceiro olho, um olhar interior que “vê os quadros e mesmo as imagens mentais”, “um terceiro ouvido que capta as mensagens de fora através do rumor que elas suscitam em nós”. Nossos olhos “são muito mais que receptores para as luzes, para as cores e para as linhas”. São “computadores” do mundo vendo o mundo. O pintor “pega” os “instantes” desse mundo, olhando-o, vendo-o, e o restitui ao “visível pelos traços da mão”.
Criticando o modelo cartesiano, Ponty vem dizer que não há modelos de origem para a cópia de outros modelos para explicação de mundo; não há uma linearidade, principalmente quando olhamos, quando vemos o mundo. Não há dissociação entre corpo e alma. Há uma relação de troca nesta ação entre o que olha e o que é olhado, entre o vidente e o visível, um entrelaçamento. Vou mais além à divagação: há também uma intertextualidade, se assim podemos pensar, entre o ser e o objeto como parte do todo. Assim, nesse relacionamento do artista com o objeto, com o mundo, não se sabe quem olha, quem vê, o que é olhando, quem é olhando, quem sente e o que é sentido. Olhamos e falamos com as coisas todo o tempo e o tempo todo.
Bom, esta foi minha humilde compreensão bastante limitada deste grandioso desafio que é analisar este profundo ensaio, esta arrebatadora teoria merleau-pontyana, que revela sua visão holística do mundo, uma relação dialética entre a parte e o todo, o particular e o universal, entre a base material e a consciência, a imaginação e a razão, enfim entre o olho e o espírito.
Um comentário:
muito bom... me ajudou a compreender mais... abraço
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