
Aby Warburg e sua contribuição para a ciência das imagens
A busca pela compreensão do mundo de maneira interdisciplinar, intertextual, ou seja, levando em consideração todos os aspectos a ele inerentes, como um Ser total, ilimitado, é uma preocupação que tem levado muitos estudiosos, pesquisadores, a revolver as entranhas deste mesmo mundo, num vai-e-vem de experimentações, leituras, enfim, um verdadeiro trilhar onde vários caminhos são percorridos para se ter uma ou mais explicações sobre determinado objeto e suas ramificações com esse Todo, que o constrói e destrói, refazendo e reconstruindo, numa dialética própria desta visão de que tudo é um continuar de alguma coisa que já foi realizada, foi experimentada, outrora.
Dentro desta análise, incluímos aqui a contribuição que a obra de Abi Warburg trouxe para a ciência da imagem.
Lembrado como idealizador e fundador da importante Biblioteca Warburg, Aby foi um grande pesquisador, estudioso das artes. Com um olhar científico sobre a imagem, encontrou elementos que passou a indicar uma constância de padrões que se repetem e são recorrentes ao longo da história das imagens. Descobriu em seus estudos e investigações, a sobrevivência na arte de vestígios de formas de um tempo passado em outro, principalmente observando a obra de Sandro Botticelli, onde encontrou formas clássicas nesta obra do Renascimento italiano. O movimento de vestes e cabelos de algumas figuras femininas foi comparado com obras antigas, como as figuras das ninfas presentes em sarcófagos greco-romanos. Nesta investigação, Warburg ficou intrigado com a importância dada aos movimentos e seu caráter frequentemente antinaturalista. Uma contradição do que era difundido na cultura renascentista, de cunho naturalista. Daí sua descoberta ser catalogada como o estudo da continuidade, rupturas e sobrevivências da tradição clássica baseado num método criado por Aby, que é a utilização dos testemunhos figurativos como fontes históricas.
Dessas observações, Aby Warburg desenvolveu a “fórmula de pathos”, o que para ele seria a explicação para essa motivação psicológica que levava a reutilização de determinadas formas antigas em obras pesquisadas. Um reaproveitamento de conteúdos expressivos da antiguidade nas obras do Renascimento, que depois Warburg viria a provar que essas expressões de uma época para outra nas artes seriam mecanismos de transmissão da memória coletiva por meio das imagens.
Segundo pesquisadores, Aby, passando por inúmeras experiências no campo pessoal, inclusive de internação em clínicas psiquiátricas, o que de certa forma serviu para que ele, através das experiências com a própria loucura, configurasse uma teoria da força psíquica das imagens e sua relação com os medos mais primitivos da humanidade. Sendo assim, desenvolveu um projeto denominado Atlas de Imagens mnemosine, uma síntese de seu pensamento sobre a função psicossocial das imagens. De acordo com a concepção de Warburg, as imagens seriam formadas por motivações psíquicas relacionadas a uma determinada época e carregadas para dentro de outras culturas, na qual seriam remobilizadas em seus conteúdos psíquicos e reorganizados em função do novo contexto.
Remetendo a Merleau-Ponty, Warburg rompe com a temporalidade não-linear, uma nova maneira de olhar o mundo sem a continuidade retilínea da história. Há um traço de passado e presente nas imagens. Elas trazem esta memória coletiva aos espectadores. Para sua época, onde a concepção da imagem predominante era positivista, cartesiana, Warburg deve mesmo ter sido considerado literalmente um louco, pois estava indo de encontro aos preceitos pré-estabelecidos, da ciência “que manipula as coisas, mas se recusa a habitá-las”. As datas, os fatos, a cronologia, as análises de estilos eram mais importantes do que o novo modelo proposto por Warburg que demandaria muito pensar, muito estudar, apreensão e compreensão do que estava posto em debate. Um modelo que permitia pensar forma e conteúdo como inseparáveis. Para explicar essa sobrevivência da imagem passada em outras culturas, Warburg desenvolveu o conceito de Nachleben, ou pós-vida, das imagens. Através deste conceito, ele explicava que para estudar determinada forma, era necessário mobilizar o conhecimento de toda a cultura do período no qual aquela constelação específica emergira.
Aby Warburg deixou seu legado para os estudiosos, uma contribuição para as ciências humanas, a Biblioteca Warburg, sediada em Londres.
Os seus predecessores buscam a atualização cultural de seus métodos segundo Carlos Ginzburg em seu livro “Mitos, Emblemas, Sinais”. Seus estudos estão direcionados para “redescobrir a verdadeira fisionomia desse estudioso, que procuro, ainda em vida, anular-se atrás da imagem da sua única obra realmente inacabada”: o Institute Warburg.
Entre seus seguidores. G. Bing destacou os problemas mais urgentes para Aby que eram, “a função da criação figurativa na vida da civilização e a relação vairável que existe entre expressão figurativa e linguagem falada”.
Edgar Wind, “contrapõe a atividade de Warburg e o conceito de “cultura” nela subtendido a duas posições culturais bem definidas: de um lado, as tendências, que propõem anular qualquer ligação entre história da arte e história da cultura, e de outro lado, a história do espírito”.
O estudioso F. Saxl preferia estudar os resultados concretos obtidos por Warburg. Ele acreditava que as pesquisas e os trabalhos de Aby teriam além da formulação ou método, uma coerência temática profunda. Saxl afirma que os principais inspiradores de Warburg foram Nietzche, Usener e Burckhardt.
Em parceria com Panofski, Saxl aprofundou a intuição de Warburg, de que a adoção da fórmula do patético (Pathosformeln) “da Antiguidade, por parte dos artistas do Renascimento implicava uma ruptura não só com a arte, mas com toda a mentalidade medieval”. Para eles, essa descoberta representa “a consciência exata da “distância” cultural entre presente e passado”.
Saxl no afã de descobrir dados iconográficos, estudou documentos da Idade Média, a exemplo dos panfletos de Lutero, durante e depois da Reforma Protestante, na obra de Holbein, suas xilogravuras anteriores a 1526; a xilogravura de Lutero representado sob a forma de Hercules Germanicus. Saxl, também estudou as obras de Dürer, da mesma época, a exemplo da Madona com o menino, de 1518, que depois sofreu alterações devido à conversão de Dürer às idéias de Lutero.
Saxl finaliza suas análises ratificando a importância de considerar “ a obra de arte singular como uma reação complexa e ativa aos acontecimentos da história circundante”.
O autor conclui que este método aplicado por Saxl, em muitos casos é insuficiente, pois apenas a análise iconográfica não serve para considerar as obras de arte e os testemunhos figurativos em geral com fonte histórica “sui generis”. É necessário estabelecer uma relação entre “dados iconográficos e dados estilísticos, e a relevância destes últimos para os fins de uma reconstrução histórica geral”.
Panofski aprofundou a idéia de Warburg de analisar a estreita ligação entre forma e conteúdo. Porém, mais tarde se dedicou predominantemente a pesquisas iconográficas, deixando de lado os pressupostos de Warburg. Panofski se desfez do método iconológico em suas pesquisas, considerando “as idéias projetadas conscientemente pelo artista na sua obra como chave suficiente para interpretar a própria obra”.
Outro estudioso do Instituto Warburg é Gromich, que chegou a conclusão que a obra de Warburg “não tinha nenhum cartáter sistemático”. Ele criticou a analogia entre a “descoberta de perspectiva linear e o nascimento da dimensão histórica através da nova relação com a Antiguidade instaurada pelo Renascimento”. Gromich tenta desconsiderar as idéias de Warburg em relação à pesquisa dos nexos entre as obras de arte e a situação histórica em que eleas nascem.
Aceitando ou negando, acrescentando ou alterando, os seguidores de Aby Warburg tinham em mente a grandiosidade das descobertas e experiências desse pesquisador e estudioso das artes, da história da imagem, do método científico que estabeleceu a continuidade, ruptura e sobrevivência da tradição clássica nas obras de arte, nas imagens, das diferentes sociedades e períodos da história. Esse legado de Aby Warburg e sua extraordinária contribuição para a história da humanidade com o Institute Warburg têm ao longo do tempo uma grande significação para a ciências das imagens e sua relação com as sociedades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário